sexta-feira, 21 de junho de 2013

A erva da fortuna cresce como por encanto nas orelhas dos políticos



 
«A erva da fortuna cresce como por encanto nas orelhas dos políticos, o primeiro-ministro proclama a amnistia para os cucos dos relógios, o degelo nas relações internacionais restabelece o nível das águas nas albufeiras, o ministro da energia esfrega as mãos de contente. Embora o boletim meteorológico seja controlado pelo governo, nuvens cor de chumbo toldam frequentemente o horizonte, os pescadores de águas turvas procuram o alto mar, uma chuva de impostos cai de imprevisto, ah a chuva na primavera, escrevem os poetas.
As andorinhas podem passar livremente a fronteira. Os polícias oferecem grinaldas aos condutores de veículos mal estacionados. O cio invade a assembleia. Os deputados bombardeiam-se com pólen. Um nostálgico do outono argumenta: a primavera de Praga também foi de lagartas nas estradas.»

Jorge Sousa Braga

quinta-feira, 11 de abril de 2013

1890 ou 2013?

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da pátria a agonizar …
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...
 
 O Caçador Simão, dedicado a Fialho de Almeida
 
Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente…
Corta a mudez sinistra o mar profundo …
Chora a rainha desgrenhadamente …

Papagaio real, diz-me quem passa?
-- É o príncipe Simão que vai à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado …
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso d’amargura e dor …

Papagaio real, diz-me, quem passa?
-- É el-rei D. Simão que vai à caça.

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da pátria a agonizar …
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...

Papagaio real, diz-me quem passa?
--É el-rei D. Simão que vai à caça.

A Pátria é morta! A Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!

Papagaio real, diz-me, quem passa?
--É el-rei D. Simão que vai à caça.

Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indomitamente a multidão …
Tocam clarins de guerra a Marselheza …
Desaba um trono em súbita explosão!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
--É alguém, é alguém que foi à caça
Do caçador Simão!... 
 
Guerra Junqueiro, 8 de Abril de 1890 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A implosão da mentira



               Mentiram-me. Mentiram-me ontem
               e hoje mentem novamente. Mentem
               de corpo e alma, completamente.
               E mentem de maneira tão pungente
               que acho que mentem sinceramente.

               Mentem, sobretudo, impune/mente.
               Não mentem tristes. Alegremente
               mentem. Mentem tão nacional/mente
               que acham que mentindo história afora
               vão enganar a morte eterna/mente.

               Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
               falam. E desfilam de tal modo nuas
               que mesmo um cego pode ver
               a verdade em trapos pelas ruas.

               Sei que a verdade é difícil
               e para alguns é cara e escura.
               Mas não se chega à verdade
               pela mentira, nem à democracia
               pela ditadura.

Affonso Romano de Sant'Anna

terça-feira, 26 de março de 2013

FEIOS, PORCOS E MAUS





Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas da limpeza após o combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro
o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.
Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos - tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.

JOSÉ MIGUEL SILVA,
Movimentos no Escuro,Relógio d'Água, Lisboa, 2005.

sábado, 23 de março de 2013

O país endoidou de vez



Não entendo... o homem ainda não falou e o pânico instalou-se!
Como é que não entendem que lhe estão a dar protagonismo?
E corto o meu pescoço se não vai toda a gente ver os ditos programas.
A RTP1 vai rebentar com as audiências e a culpa não é do Sócrates, ahahahahahahah!
O país, de repente, esqueceu-se que em democracia todos têm direito à palavra!!!

O PAÍS ENDOIDOU DE VEZ

sexta-feira, 22 de março de 2013

Recalcitrando de novo... amigos!




E pronto... aqui estou de novo recalcitrando, meu amigos!
Sim, desta vez vim para ficar, SIM!


Não sei é se vou ser capaz de retomar o ritmo de um "antigamente" tão próximo...
Não sei ainda qual o caminho que este novo blog vai tomar... os tempos são, cada vez mais, de recalcitrância e resiliência, de desesperança e revolta, e a amargura vai-se apoderando de futuro deste país.
Poesia ou política??? Ambas??? Desistir ou lutar?
E o desejo de regressar foi-se instalando... e aqui estou... às voltas com uma série de coisas novas no blogger que, por vezes, me deixam às aranhas... Quase não me entendo com tantas novidades, mas espero habituar-me depressa.
Irei visitar os amigos de sempre, e estarei presente tanto quanto me for possível.
O meu carinho e amizade para TODOS!!!


segunda-feira, 18 de março de 2013

Tenho para mim





Tenho para mim neste derrotado começo de século
neste farrapo de país em que a própria língua virá em
breve a ser idioma secreto
e a quem ninguém chamará pátria nem tão-pouco
nação, apesar da vigilância sobre a nossa existência
ser matéria autocrática e clerical

tenho para mim que nesta geografia
a casa rural é a expressão mais pura que sobrevive,
qualquer coisa ao alcance entre o castelo e a igreja, entre a cruz e o adro,
ornamento que sustenta o carácter da arte e da paisagem.
Expressão do movimento, de uma cor.

Ao fim do pátio, onde a alma da casa termina, está
uma taça de granito. Bebedouro de pássaros nos meses
quentes, cobre-se de medronhos
pelos cálidos dias outonais do verão de São Martinho.
Em oferta, do áspero amarelo ao quente laranja,
no contraste da pedra o meio dia intensifica de brilho

cambiantes vermelhos – rosa vivíssimo e sangue
esmagado – o calor abre em ouro o corpo do fruto,
insectos despertam de um íntimo, longínquo mundo de
treva, como se subissem da mais antiga morte, da mais profunda vida.


JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE
Mãe-do-Fogo
Relógio d’Água
(2009)